sábado, 19 de junho de 2010
By Clarice Lispector
Eu era uma menina muito curiosa e, para minha palidez, eu vi. Eriçada, prestes a vomitar, embora até hoje eu não saiba ao certo o que vi. Mas sei que vi. Vi tão fundo quanto numa boca de cofre eu via o abismo do mundo. Aquilo que eu via era anônimo como uma barriga aberta para uma operação de intestinos. Vi uma coisa se fazendo na sua cara - o mal-estar já petrificado subia com esforço até a sua pele, vi a careta vagarosamente hesitando e quebrando uma crosta - mas essa coisa que em muda catástrofe se desenraizava, essa coisa ainda se parecia tão pouco com um sorriso como se um fígado ou um pé tentassem sorrir, não sei. O que vi, vi tão de perto que não sei o que vi. Como se meu olho curioso se tivesse colado ao buraco da fechadura e em choque deparasse do outro lado com outro olho colado me olhando. Eu vi dentro de um olho. O que era tão incompreensível com um olho. Um olho aberto com sua gelatina móvel. Com suas lágrimas orgânicas. Por si mesmo o olho chora, por si mesmo o olho ri.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário